Agência e compartimentalização

Jonathan Suzuki
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24/3/2024
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Não vou mentir dizendo que eu sei muito sobre as coisas que eu escrevo aqui, pq tirando alguns leves assuntos de computação, lol e smash eu não faço a menor ideia do que eu to falando.

Agência: um conceito mágico

Faz um tempo que eu tenho pensado em escrever sobre "agency", mas nunca sei exatamente sobre o que escrever ou sobre como explicar o conceito. A definição é a sensação de ter controle das suas ações e das consequências delas. Note que a definição traz como ponto a sensação de ter controle. É muito daquele esquema de "não sabendo que era impossível, foi lá e fez". E nem é exatamente sobre algo ser impossível, mas é aquelas coisas que nós levamos como normal que já deixamos enraizados em nós mesmos. São coisas invisíveis. É importante notar também que agência se trata de ter controle sobre as consequências, então não é só uma questão de fazer algo é questão de saber que aquela ação terá impacto no ambiente/situação em que você se encontra.

 Male Speaker: The importance of language on a rainy day. Josh Waitzkin: One of the biggest mistakes that I observed in the first year of Jack's life or year or two of Jack's life that I observed with parents is that they have this language around weather; weather being good or bad. Whenever it was raining, they'd be like, it's bad weather. You'd hear moms, babysitters, dads talk about if it's bad weather, we can't go out or if it's good weather, we can go out. So that means that somehow we're externally reliant on conditions being perfect in order to be able to go out and have a good time. So Jack and I never missed a single storm. Every rain storm. I don't think we've missed one storm, other than one maybe when he was sick. But I don't think we've missed a single storm, rain or snow, going outside and romping in it. We developed this language around how beautiful it was. So now whenever there's a rainy day, Jack says, 'Look, Da-Da. It's such a beautiful rainy day.' And we go out and we play in it. I wanted him to have this internal locus of control. To not be reliant on external conditions being just so.

Eu acho esse exemplo maravilhoso. Ao invés de olhar o tempo, ser "restringido" pelas opções do tempo, eles foram lá e curtiram. Não existiu uma construção de que aquilo não poderia ser feito. Esse exemplo ficou ainda mais real qndo um amigoredacted que recentemente mudou pra amsterdã com um filho pequeno viu isso acontecendo na prática. Ele disse que como lá chove muito, é normal as crianças brincarem no parquinho mesmo que chova, se estava programado para brincarem no parquinho, eles vão brincar.

Esses dias eu estava na casa de uns amigosredacted e do nada a minha amiga começou a lavar a roupa de noite no meio de um dia de semana, algo que, querendo ou não, não se passava mais na minha cabeça (tudo bem que aqui existem algumas restrições de inverno/verão pra poder secar sem ficar cheiro e tals, mas não vamos nos ater a isso). Ela só foi lá e fez. Eu (antes de vivenciar esse acontecimento) olharia e falaria puts tem que esperar o final de semana chegar pra poder estender enquanto tá de dia.

Esses são exemplos pequenos, mas acho que existem muitas mais situações em que a gente não contempla a possibilidade de se fazer algo, porque existe a limitação X ou a limitação Y. Só vou escrever quando tiver tudo pronto, quando eu tiver todas as referências, quando tiver lido aquele artigo.

O legal também é ver pessoas com um bom nível de agência na vida. Você vê elas entrando em lugares e os transformando. Uma pessoa sozinha consegue transformar uma sala, consegue transformar todo um ambiente.

Ultimamente eu tenho a impressão que a gente se prende muito as rotinas. As paredes invisíveis falando que não dá. Muitas das vezes eu tbm acho que isso vem de uma certa compartimentalização.

Qual é a hora de se...

Qual a hora certa de se brincar no parquinho? A hora sem chuva.
Qual a hora de se aprender? Durante as aulas da faculdade.
Qual a hora de se divertir? Depois do expediente às 19hrs.

Uma professora de teatro estava compartilhando uma experiência que ela teve durante o mestrado dela. A proposta era apresentar o teatro para uma aldeia indígena no Amazonas, ela conta que foi um fiasco - eles chegaram lá com uma proposta pronta, enviesada pela nossa visão de mundo: eles iam montar um palco, chamando toda a aldeia que ia assistir dos barcos a peça que eles trouxeram. As pessoas da aldeia não gostaram da atividade, elas não tinham o conceito do "teatro". Eles não entenderam porque eles tinham que parar o que estavam fazendo para ir assistir algo. Para eles contar histórias era algo do dia a dia, algo que eles faziam durante a limpa da pesca, durante o trançado das folhas, as linhas entre trabalho e entretenimento não era algo que havia sido traçado.

Se eu tivesse que chutar esse é um reflexo de tentar maximizar os ganhos, é evidente que se durante um trabalho o foco for apenas no trabalho, ele vai ser mais "eficiente". Mas é mesmo? Ou seria essa uma outra regra invisível que nós aceitamos ao longo da vida?

Para qualquer pessoa que não trabalhou na Qulture, eu tenho a impressão que sempre que eu menciono ela, deve ficar até chato, mas é porque ela realmente mudou a maneira como eu vejo o trabalho. Foi muito um lugar em que eu fiz muito mais do que trabalhar, eu mesclei diferentes áreas da minha vida, não teve uma distinção de "hora de trabalhar" ou "hora de se divertir" ou "hora de aprender". Isso pra mim fica evidente quando eu percebo que falo com muita gente da Qulture ainda. Que essas pessoas genuinamente viraram meus amigos e que a gente mantém contato mesmo fazendo anos que eles já sairam de lá. Quando um desses amigos falou que já faz muito mais tempo que ele saiu de lá comparado ao tempo que ele ficou lá eu fiquei de cara. É comum o relato de pessoas que foram para outros trabalhos, fizeram bons colegas, mas nunca amigos como na Qulture. Existiu um gosto de aventura e descoberta que parece difícil de se experimentar em outros lugares. E não é que outros lugares não sejam bons, às vezes até são, mas existe essa compartimentalização uma barreira que parece que deixa tudo distante. O trabalho é o trabalho e a vida é a vida.

Mas chega de falar sobre a Qulture, voltemos ao tópico de compartimentalização (e classificação) com outro exemplo de "civilizações afastadas em que as coisas são feitas de maneiras diferentes":

When documentary filmmaker Jonnie Hughes was living with the “Insect Tribe” in a remote part of Papua New Guinea, a few of the tribesmen who had been hosting him asked Jonnie if they could visit him back in the United Kingdom. A few months later, when Jonnie pitched the idea of flying a few foragers to London, his bosses saw the documentary value and agreed to fund their trip. But Hughes was worried the visit might “pollute their culture with modern ideas, or perhaps make them terminally envious of a world beyond their reach.” After all, these were people who were living in very primitive conditions, with no refrigeration, modern medicine, television, or other marvels of modernity. By the end of the visit, however, Hughes saw things very differently: With every whispered observation, they left us powerless to explain the madness of our own social norms, and when they boarded the plane back to PNG, we were the ones racked with envy-envious of their joyously interdependent community, their clear understanding of what mattered in life,

 their rock-solid roles, simple pleasures and ample leisure time, their lack of mortgages and debts, their indisputable “goodness.” Our world appeared an obscene and dysfunctional manifestation of human existence in comparison. If Hughes sounds a bit like one of those silly romantics we're always being warned about, just do the numbers. Hughes says the tribesmen “were fascinated about our work/life balance, because over there, in a week, they'll spend maybe twenty hours in total collecting food, going hunting, etc.—just doing the things they need to do. The rest of their time they spend with their family, social lives... leisure time.” No wonder they were confused that Mark, the father in the family they were staying with, left early every morning and didn't return until evening. “Why are you doing this?” Hughes recalls them asking. “Why are you going out every day, not seeing the people that you really care about? It doesn't make any sense at all!” Mark explained that he had to work to pay for the house they were living in. “How long will you be doing this, to pay for your house?” they asked. When Mark told them about his twenty-five-year mortgage, they looked at him in astonished pity, explaining that when one of them needed a house, they got together with the other men of the village and built a house in a couple of weeks. At the end of their visit, the Insect People took just one innovation back to Papua New Guinea: the notion of putting feathers on arrows to stabilize their flight. Apparently, that was the only thing that impressed them very much about the modern world.

Quando eu li esse texto pela primeira vez fiquei 🤯. Eu fico olhando e fico pensando: quais são as áreas que eu tenho agência para mudar? Trabalhar? É muito provável que independente do que eu faça eu vou ter que trabalhar de alguma maneira, essa não parece ser uma área que eu tenho agência (infelizmente). Ok... Mudar pra floresta? Não... não é nem algo que eu tenho vontade kkkk. Mas o que me deixa com uma pulga atrás da orelha é: num mundo com uma compartimentalização menor, talvez ir trabalhar é ir para um lugar que eu ligo para as pessoas que estão lá. Eu tenho a agência necessária para criar um ambiente assim? Se isso não depende só de mim, como eu faço para garantir que as minhas ações vão ter o resultado que eu espero que elas tenham? Quais são as coisas que de fato impedem que eu tente? Elas existem ou são apenas limitações invisíveis?

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    © Jonathan Suzuki.