As minhas memórias não são minhas

Jonathan Suzuki
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4/1/2022
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Você acorda de manhã, levemente desnorteado... Como que eu cheguei aqui mesmo? Ah é ontem eu fui numa festa. O que aconteceu mesmo? As memórias tão fracas, pra ser sincero você nem tem certeza se lembra de alguma coisa depois daquele ultimo shot. As suas memórias já não são mais suas.


Parte 1: Memória

Esses dias tava fazendo um curso e lá tavam falando sobre memória, existem 3 tipos de memória: a memória de sensorial (que se perde em questão de segundos, tipo quando vc tava prestando atenção em alguma outra coisa e de repente vc ouve o seu nome e puxa as ultimas palavras, mas não consegue puxar o contexto todo), a memória de curto prazo (que dura cerca de minutos, é a memória que vc usa quando te pedem pra memorizar uns números e tipicamente serve pra armazenar uns 7 chunks de dados, os chunks podem ser desde um número até uma frase) e por último a memória de longo prazo (aquela que te permite lembrar de eventos de qndo vc tava na primeira série do fundamental, boatos que essa memória não tem limite 😱). Esse curso fazia uma observação interessante: existe uma associação bem grande entre a memória de curto prazo com a sua consciência. Pra exemplificar isso o curso traz um exemplo de amnésia anterógrada, esse tipo de amnésia faz com que a pessoa não consiga trasnferir informações da memória de curto prazo para a memória de longo prazo, ela também traz um exemplo particular de um homem que tem o span de memória de cerca de 30 segundos. O relato dele é de que parecia que ele estava acordando a todo momento, ele ficava um pouco perdido e não lembrava de como tinha chego lá, no diário dele ele escrevia: "10:47 acordei agora, esse é realmente sou eu.". Depois de um tempo ele olhava o diário e via a anotação de 10:47 e falava, não esse não era eu, eu não lembro disso, riscava e escrevia: "10:49 acordei agora, esse sim sou eu, não o antigo, devia ser outra pessoa". Eu achei isso muito louco, a realidade praquele rapaz era aquela realidade que ele percebia. Ele percebia que existia um escrito do qual ele não se lembrava e atribuia isso a uma outra pessoa ou situação.

O quão dependentes das nossas memórias será que nós somos? Será que se perdessemos todas as memórias de longo prazo de repente, mas continuassemos retendo informações, será que eventualmente nós iríamos voltar a se parecer com nós mesmos? Nós tomaríamos as mesmas decisões que tomamos hoje? O quanto de nós é a nossa memória?

Parte 2: Percepção e realidade

Marvel's agents of shield é uma série underrated (na real nem tanto, ela tem altos muito altos e baixos muito baixos, a série tem 7 temporadas de ~20 episódios cada um durando uns 40 min [tô falando isso só pra vc perceber que ou vc já assitiu ou vc nunca vai assitir e que não vai se importar com os spoilers a frente]) que explorou essa temática de uma maneira expetacular e o melhor episódio de todos é sem dúvida a temporada 4 episódio 15.

⚠️ Spoiler de MAoS ⚠️

Pra dar um pouco de contexto, nós temos o nosso típico cientista maluco, Dr. Radcliff, que conseguiu não só uma, mas duas proezas: criar um "Framework" (é igual a matrix) e também uma série de robos super avançados, o robo mais avançado é a Aida que tem ajudado ele ao longo da série. O nosso cientista conseguiu capturar 4 integrantes da equipe e estava tentando capturar os próximos, até que a seguinte cena ocorre:

De maneira sensata a Aida conclui que se ele realmente acredita que a percepção é a realidade, então dentro do "Framework" ele ainda vai estar vivo, removendo a necessidade dele estar vivo no mundo real. Foi um dos plot twists da série 🤯.

Outra cena desse mesmo episódio (tô falando 4x15 melhor episódio de todos, mas é difícil assistir só ele, pq vc não tá apegado aos personagens ainda) é no final, ah é o Radcliff conseguiu uma terceira proesa que foi criar LMDs, que basicamente são clones na íntegra de outras pessoas. Nesse momento os LMDs já tinham infiltrado a base dos agentes, sendo que tinham dois tipos de LMDs, um deles era a May, clonada praticamente de maneira intacta, com a missão de recuperar o Darkhold (um livrinho especial lá) e o Coulson cuja missão era sequestrar o resto dos agentes. Nessa cena final a May estava bloqueando o caminho entre o Coulson e os agentes que estavam fugindo.

Dentro da percepção dela, com a consciência dela, ela conseguiu interpretar e perceber que o seu sacrifício era barato e indolor e que quem ela estaria matando também não era o Coulson que ela amava.

Uma outra série que brinca bastante com isso é Black Mirror, um dos melhores episódios da série é o White Christmas. E bora pra outro spoileeer

⚠️ Spoiler de White Christmas ⚠️

Pra quem não lembra muito bem do que acontece no episódio (eu também já não lembro rs), mas é um cara que tá sendo julgado por que na profissão dele ele fazia cópias digitais de pessoas e obrigava essas pessoas a serem assistentes digitais pra versão original da pessoa. O interessante é que essa cópia não sabia que ela era uma cópia e a pessoa que "comprava" a assitente também não sabia o que acontecia dentro do dispositivo. É um conceito similar ao do episódio de MAoS. A sua percepção sobre o que está acontecendo dita o que você sente e como você age. Eu fico imaginando se eu estivesse nesse cenário em que minha consciência fosse clonada e eu visse o meu outro eu, como será que isso me afetaria? Será que eu ficaria bolado?

Parte 3: As minhas memórias já não são mais minhas

Antes eu ficava incomodado de não lembrar o que tinha acontecido da metade pra frente da festa da noite passada. Até que em algum momento eu percebi que as minhas memórias já não são minhas. Elas são de várias pessoas, menos minhas. Na mente de cada pessoa que eu já conheci existe uma imagem, uma sombra, uma memória do que eu sou. Do que eu já fui. Aquelas são memórias que eu já não tenho mais controle sobre. Elas já estão distorcidas, afetadas pela percepção do momento, pelo desgaste do tempo que passou. Apenas os pontos mais críticos se concretizam em uma imagem incompleta do que eu fui. E são as imagens que perduram na memória de outras pessoas. E pelo fato dessas serem as últimas memórias que as pessoas tem sobre mim, elas são a realidade para aquela pessoa. Eu perdi contato com bastante gente da igreja, que provavelmente tem uma imagem bem diferente do que eu sou hoje e até eu reencontra-las, sepá seja melhor que as memórias continuem intactas.

Dizem que são os vitoriosos que escrevem a história, mas todos nós escrevemos as histórias e as narrativas nas nossas próprias cabeças. Agora quando eu não lembro (*e eu não morri no role), eu acho um tanto divertido, é um atestado de que um ponto crítico e de que uma memória que já não é mais minha foi criada. E é um processo engraçado caçar essas memórias. Tentar reconstruir o que se passou e até mesmo ver as percepções e interpretações de outras pessoas sobre o que aconteceu lá. Dizem que muito do nosso entendimento de mundo vem da escrita e da conversa com outras pessoas. Essas conversas são bem interessantes elas trazem o que a pessoa tava prestando atenção e normalmente elas ajudam a criar novas memórias que a partir daquele momento são suas e não mais delas.

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